Se você tem neura com a limpeza dos
dentes do seu filho, leia esta reportagem. Você vai descobrir que os cuidados
para impedir que a vilã dos dentes apareça são muito mais simples do que
imagina
Ana Paula Pontes
Filho, vem escovar
os dentes!” Se essa frase ainda não faz parte do seu dia a
dia, aposte que assim que os primeiros dentes surgirem, vai repeti-la diversas
vezes – simplesmente porque você nem quer imaginar uma cárie na boca dele. Vale
aqui um parênteses de repórter e mãe: antes de conversar com os especialistas
para esta reportagem, eu tinha certeza de que o meu filho de 6 anos só não teve
nenhuma cárie até hoje por sorte. Não consigo supervisionar todas as escovações
que ele faz. Mas acabo de saber que não é só sorte, não. A cárie não surge com
a rapidez que a gente imagina, e, felizmente (para nós, pais), a prevenção é
simples. Também descobri que o uso de creme dental com flúor para crianças
pequenas não é aquele bicho-papão que sempre dava medo. A seguir, você vai
encontrar um manual para manter o sorriso do seu filho bem longe da cárie.
Tudo
bem se você não consegue acompanhar todas as escovações dos dentes do seu
filho.
Garanta que a última, feita à noite, seja a melhor
limpeza.
Cárie desde bebê
Sim, ela pode aparecer desde o
nascimento do primeiro dente, o que acontece por volta dos 6 meses. A batalha é
silenciosa: o açúcar presente nos restos de alimentos que ficam dentro da boca,
sólidos ou líquidos (até o leite materno tem), junta-se a uma película de
saliva que fica sobre os dentes, chamada biofilme. Nessa película também estão
as bactérias do bem e as nocivas, como a Streptococcus mutans, que
provoca o buraco no dente (ou a lesão da cárie, como os especialistas chamam).
Toda essa sujeira recebe o nome de placa bacteriana. Quando os dentes não são
limpos com assiduidade, as bactérias “do mal” se alimentam dos açúcares que
estão nesses restos de comida e passam a produzir ácidos que atacam o esmalte
protetor dos dentes. Por isso é tão importante não dar doce para o seu filho,
principalmente no primeiro ano, nem adoçar o leite que ele toma.
Para entender melhor esse ataque, imagine que o dente é uma parede, da qual você
vai removendo o reboco, os tijolos, até abalar as estruturas e ela desmoronar.
O primeiro sinal de que algo não vai bem são as manchas brancas que vão
aparecer nos dentes. A boa notícia é que elas são reversíveis. Em geral, a
aplicação de flúor no consultório (e um puxão de orelha na criança e nos pais)
resolve. Ela é liberada já a partir dos primeiros dentes, mas é o dentista que
resolve quando é necessária.
Se as
manchas não são tratadas, surge um buraquinho no dente. Nesse estágio, a dor
aparece. A cárie pode atingir o coração do dente (a parte viva, como o nervo),
provocando infecções e até a perda do mesmo. Esse processo é ainda mais rápido
nos de leite porque as camadas que protegem sua estrutura são mais finas, e
fica fácil atingi-la. A perda precoce de um dente de leite prejudica o
crescimento do permanente, porque ele funcionava como um guia. Ou seja, sem um
modelo para “seguir”, o dente do seu filho pode nascer torto. Quando se perde
mais de um, a mastigação fica prejudicada.
No
Brasil, dados do Ministério da Saúde, de 2003, mostram que 27% das crianças com
idades entre 18 e 36 meses têm pelo menos um dente de leite com cárie, e esse
número sobe para 60% quando a faixa etária é de 5 anos. No último estudo,
realizado no fim do ano passado, não foram publicados dados sobre essas
estimativas.
Primeiros cuidados
Como
deixar seu filho fora dessas estimativas? Ao contrário do que muita gente deve
ter falado para você, a higiene bucal não começa no primeiro dia de vida nem no
primeiro mês. “A limpeza deve ser iniciada após a erupção do primeiro dente,
quando o risco da cárie começa a existir”, afirma Paulo César Barbosa Rédua,
presidente da Associação Brasileira de Odontopediatria. Use gaze ou fralda
embebida em água filtrada ou fervida ou uma escovinha de cerda macia uma vez
por dia, à noite.
Assim que
o primeiro dente apontar, marque também uma consulta com o dentista. Ele vai
orientar sobre os cuidados com a higienização bucal e quanto à alimentação da
criança (veja o box na página ao lado), fundamentais para a prevenção da cárie.
As próximas visitas ao dentista acontecem a cada seis meses. A Associação
recomenda a aplicação de flúor como prevenção a partir de 1 ano, mas vai
depender da necessidade de cada criança. É importante que seu filho sinta segurança
no consultório. Por isso, apresente tudo para ele: desde os materiais a serem
usados até o barulho que o motorzinho faz. “O medo da criança deve ser
respeitado”, diz Lúcia Coutinho, odontopediatra.
Flúor, um aliado
A maneira
como você limpa os dentes do seu filho vai mudar assim que nascer o primeiro
dente molar (que é usado para moer os alimentos), o que acontece por volta dos
14 meses. A partir daí, é preciso usar creme dental. E surge a grande questão:
uso pasta com ou sem flúor? Até pouco tempo, a indicação era evitar a que
tinha. Isso porque a criança pequena, que ainda não sabe cuspir, engole um
pouco da pasta durante a escovação. A ingestão de flúor em excesso pode causar
fluorose, que provoca manchas brancas nos dentes permanentes ainda em formação.
Mas a orientação mudou. A Associação de Odontopediatria e o Ministério da Saúde
recomendam, oficialmente, o uso de pasta com flúor, sem risco para a saúde do
seu filho. Um estudo realizado pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba da
Unicamp (SP), no ano passado, mostrou que pastas sem flúor ou com baixa
concentração desse ingrediente não protegem contra as cáries nem evitam o
aparecimento de fluorose. Na hora da compra, veja se o creme dental tem flúor a
uma concentração de 1.100 ppm (observe essa informação na embalagem do
produto). A quantidade usada na escova de dentes deve ser equivalente a um grão
de arroz apenas.
Escovação em dia
Após o
café da manhã, almoço e antes de dormir. Essa é a rotina ideal da higiene bucal
das crianças (não esqueça da língua e usar fio dental todos os dias). Não fique
aflito: tudo bem se você não consegue acompanhar todas elas. O importante é que
a última (e boa!) escovação do dia seja feita por você. A cárie não se forma em
instantes, pode levar até 15 horas para a placa bacteriana, que dá origem à cárie, aparecer. Por isso, deixar de escovar uma noite,
quando seu filho chegou dormindo da festa do amigo, não é um grande drama.
Basta escovar logo cedo no dia seguinte. Mas atenção se a criança estiver
tomando remédios, principalmente aqueles de uso contínuo. A presença do açúcar
na composição do medicamento favorece o aparecimento da tal placa. Se seu filho
toma antes de dormir, escove os dentes dele depois de medicar.
Você leu
tudo isso e pensou: “OK, mas como eu faço para convencê-lo a escovar os
dentes?”. A gente sabe bem do que uma criança é capaz para enrolar os pais.
Para driblar esse mau humor delas, torne a hora de escovar os dentes um momento
mais divertido. Conte histórias, cante, escove o dente junto com ele. Além da
escova que você usa, compre outra para que ele “treine”. As indicadas são as de
cabeça pequena e cerdas macias, para não machucar a gengiva, e adequadas à
idade e ao tamanho da boca da criança (a informação vem na embalagem).
Escove
bem os dentes e incline a escova em um ângulo de 45 graus em relação à gengiva
para remover a placa bacteriana – líquidos para bochechos só devem ser usados
com prescrição. Atenção aos dentes molares que têm superfícies irregulares
(varia de acordo com a anatomia do dente de cada criança): elas dificultam a
penetração da cerda da escova e, por isso, são os locais preferidos das
bactérias. Dependendo de cada caso, como quando as ranhuras são mais profundas,
o odontopediatra recomenda a colocação de selante, uma espécie de resina
líquida que cobre essas fissuras. Agora, a notícia que você mais esperava.
Ainda que seu filho escove os dentes sozinho, você vai supervisionar essa
limpeza até ele completar 12 anos. Pois é, o trabalho vai longe...
Mudança de hábito
• A cárie
adora o açúcar refinado presente em alguns alimentos, sucos prontos, biscoitos
e até mostarda. Doces pegajosos, como brigadeiro e balas, são mais perigosos
porque grudam no dente e deixam restos difíceis de serem retirados. Tente
equilibrar o consumo dessas guloseimas, e nunca mergulhe a chupeta do seu filho
em nada adocicado.
• Não é
legal que seu filho adormeça mamando (se o leite for adoçado, pior) porque,
durante a noite, produzimos menos saliva, que faz uma autolimpeza nos dentes.
Sem essa proteção extra, eles ficam mais expostos às bactérias. Então, após
essa mamada, dê um pouco de água para seu filho tomar e escove os dentes dele
no dia seguinte. O mesmo vale se a criança acorda de madrugada e pede para
mamar. A regra não cabe para o aleitamento materno exclusivo: não dê água,
apenas faça a higienização no dia seguinte.
• Beliscar o
dia todo é tão ruim quanto o consumo de açúcar porque a saliva, que faz aquela
autolimpeza, não dá conta de manter tudo limpo, criando um ambiente propício
para a placa bacteriana.